Do UOL, em Brasília
Ministro Dias Toffoli, presidente do STF
Imagem: FÁTIMA MEIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli,
decidiu, nesta quarta-feira (15), suspender a aplicação do juiz de garantias,
prevista na lei anticrime. O modelo de juiz deveria entrar em vigor no próximo
dia 23. Mas Toffoli suspendeu a eficácia da lei por 180 dias a partir da
publicação da decisão que ele deu hoje.
O uso do novo sistema ficará condicionado à organização dos
tribunais ou ao prazo máximo de seis meses.
Em alguns casos, porém, Toffoli suspendeu indefinidamente a
aplicação da lei: casos de violência doméstica, homicídios (casos do tribunal
do júri), processos criminais de natureza eleitoral e processos que se
iniciaram em tribunais, como próprio STF.
Toffoli tomou uma
decisão liminar — temporária — em três ações contra a criação do juiz de
garantias. A decisão está valendo, mas deverá ser analisada pelo plenário do
Supremo ainda.
Além disso, o ministro renovou o funcionamento do grupo de
trabalho do Conselho Nacional de Justiça que estuda o tema até 29 de fevereiro.
Ele respondeu aos
jornalistas que acredita que o plenário Supremo vá analisar o caso ainda antes
de 29 de fevereiro. O tribunal pode, por exemplo, derrubar a liminar do
presidente, confirmá-la ou modificá-la, incluindo outro prazo para adaptação
dos tribunais.
Na decisão, Toffoli afirmou que as ações criminais em
andamento nos tribunais que tiverem iniciado o uso do sistema não serão afetadas.
O juiz de garantias valerá apenas para os casos em que ainda não houver sido
apresentada denúncia à Justiça.
O que faz o juiz de
garantias
Em linhas gerais, o
juiz de garantias é aquele que, durante a investigação sigilosa de um crime,
vai receber os pedidos de medidas mais invasivas contra os direitos fundamentais
de um investigado.
São pedidos da polícia e do Ministério Público para quebrar
os sigilos de comunicações, como escutas telefônicas, mensagens de celulares,
emails, arquivos armazenados em nuvem, e de dados bancários e fiscais, como
movimentações financeiras e declarações de imposto e de faturamento prestadas à
Receita.
Também envolvem
prisões provisórias, aquelas feitas antes mesmo da abertura de um processo
criminal e de uma condenação.
Quando a acusação criminal é apresentada à Justiça, esse juiz
sai de cena. Aí, o processo criminal passa para outro magistrado. A ideia é
garantir a imparcialidade do julgador.
Como funciona em outros
países
Argentina
O "juez de las
garantías" começou a ser implantando em 1991 na Argentina, um caminho
gradual que não foi concluído ainda. Nos lugares em que já existe essa figura,
o magistrado recebe os pedidos dos promotores do Ministério Público, os
chamados "fiscales". São pedidos de prisões provisórias, buscas e
apreensões e quebras de sigilo de comunicações e de dados bancários e fiscais.
O juiz pode autorizar ou negar.
Portugal
Em Portugal, a figura
do juiz de garantias foi criada em 1987. A lei portuguesa diz que as medidas
mais invasivas da investigação — prisões provisórias, busca e apreensão,
quebras de sigilo de comunicações e de dados bancários e fiscais — só serão
autorizadas se houver "graves indícios" de prática de crime cometido
intencionalmente.
O juiz que atua nessa fase de investigação também será o
responsável pelo recebimento da acusação, assim como acontece no Brasil. Se ele
receber a denúncia, o caso passará para outro magistrado.
Alemanha
As primeiras ideias sobre juiz de garantia no mundo surgiram
na Alemanha, nos anos 1970. Lá, esse magistrado é chamado de juiz de
investigação ou "Ermittlungsrichter", em alemão. Ele decide sobre
questões como busca e apreensão, interceptação telefônica, oitiva de
testemunhas e prisões antes do início da ação penal. Normalmente, uma câmara de
magistrados é que sentencia o processo.
Itália
A Itália tem juiz de
garantias desde 1988. Toda a Operação Mãos Limpas, que é considerada um exemplo
e inspiração para Moro, ex-juiz da Lava Jato, foi realizada com esse modelo de
atuação. O chamado "juiz de investigações preliminares" recebe os
pedidos de prisões, buscas e quebras. Quando a denúncia chega, ela é analisada
por uma turma com três magistrados.
EUA
A legislação penal norte-americana
varia em cada estado. No de Nova York, por exemplo, há uma espécie de juiz de
garantias. Quando o promotor do Ministério Público precisa pedir uma busca e
apreensão por exemplo, ele solicita ao grande júri, que é presidido por um
juiz, mas cuja decisão cabe a 23 pessoas da comunidade. Terminada a
investigação, a Promotoria oferece a denúncia. Novamente, quem vai receber ou
rejeitá-la é outro colegiado, um júri de 12 pessoas diferentes presidido pelo
juiz "profissional" da Vara. Recebida a denúncia, o processo começa.
O investigado pode pedir que o júri seja dispensado e apenas o juiz analise sua
acusação.
Reino Unido
Na Inglaterra, as investigações são conduzidas pela polícia.
Ela faz ao juiz os pedidos de buscas, prisões e quebras. Terminada a
investigação, a polícia entrega seu relatório ao CPS ("Crown Prosecution
Service"), espécie de Ministério Público, que faz a acusação diante do
juiz. Mas quem vai receber a denúncia é um júri de 12 pessoas. Se for na
Escócia, serão 6 pessoas. Como nos EUA, o investigado pode dispensar o júri e
pedir o julgamento apenas por um juiz de carreira.
Fontes: Estudo do
professor e procurador Vladimir Aras e entrevistas com o professor Mauro
Andrade e os advogados Luís Henrique Machado e Max Telesca.
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