Do UOL, em São Paulo
José Maria, 65 anos, vende sorvetes na porta da Unidade de
Pronto Atendimento na Lapa, zona oeste de São Paulo
Imagem: Talyta Vespa/UOL
"Quer sorvete,
meu filho?", pergunta José Maria, de 65 anos, a todos os pacientes que
entram e saem da Unidade de Pronto Atendimento da Lapa, na zona oeste de São
Paulo. Abordado pela reportagem, ele ri e diz que está "até cansado"
de tanto perguntar a mesma coisa —José trabalha como vendedor de sorvete no
estacionamento do hospital há 30 anos.
Parte do grupo de risco do covid-19, o
vendedor afirma não ter medo de contrair a doença e que não lhe sobram muitas
opções senão trabalhar todos os dias. "O que você quer que eu faça? Se não
morrer desse vírus, morro de fome. Não posso parar de trabalhar”.
A rotina não envolve apenas contato com pessoas que podem
estar infectadas, mas, também, quatro viagens de ônibus por dia: ele sai às 8h
de Perus, na zona norte de São Paulo, e chega em casa por volta das 22h.
"Pelo menos, por
causa desse vírus aí que eu nem sei falar o nome, os ônibus estão vazios. Pego
dois para ir e dois para voltar. Quando estão muito cheios, é bastante difícil
passar com esse carrinho. Agora, está mais tranquilo", conta à reportagem.
A rotina de Perus até a Lapa acontece de segunda-feira a
sábado. Aos domingos, ele conta, José vende tempero baiano no bairro em que
mora. "O senhor é baiano, José?", pergunta o UOL. "Não, sou
cearense. Vim para São Paulo em 1976 e nunca mais voltei para o Ceará, acredita?”.
O motivo da falta de visita à cidade natal é claro: José
perdeu a mãe aos sete anos e, desde então, tudo perdeu a graça. "Se minha
mãe fosse viva, ela estaria aqui comigo. Eu teria dado um jeito de trazê-la
para cá, pode acreditar. Ela morreu com câncer no seio. Desde então, ficou tudo
muito chato. Mesmo depois de me casar e depois de ter um filho”.
O trabalho com vendas de sorvete rende a José, em média, R$
400 mensais "isso se o tempo estiver bom". "Quando faz frio, aí
já era, ninguém quer comprar. Agora está complicado: por causa desse vírus, as
vendas caíram muito. O movimento aqui no hospital, também. Quero só ver como
vai ser daqui para frente", afirma.
Por causa disso, o vendedor alterna o local das vendas todos
os dias. Fica no hospital até as 14h e, a partir das 15h, faz suas vendas na
Rua Cerro Corá, também na Lapa. "Fico andando para lá e para cá na Cerro
Corá até a noitinha. Aí tento ganhar mais dinheiro”.
Poucos meses atrás, o cearense intercalava a venda de
sorvetes —hoje, os sabores que se aninhavam no carrinho eram açaí e graviola—,
com o trabalho de pedreiro. No entanto, além de duas lesões no joelho, José
descobriu esporão nos dois calcanhares. "A sensação é tipo pisar em um
monte de espinho, dói muito. Não consegui mais trabalhar em obra".
Para caminhar, ele investiu R$ 65 reais em um chinelo de
borracha, ao qual ele acoplou um saltinho de plástico, na tentativa de amenizar
a dor. "A gente vai dando um jeito, né, só não pode parar”.
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